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quinta-feira, 22 de abril de 2010

História da Vida e Perseguições de Martinho Lutero

por

John Fox



Este ilustre alemão, teólogo e reformador da Igreja, filho de Juan Lutero e Margarita Ziegler, nasceu em Eisleben, uma cidade da Saxônia, no condado de Mansfield, no dia 10 de novembro de 1483.

A posição e condição de seus pais eram originalmente humildes, e a profissão de seu genitor era trabalhar nas minas; porém, é provável que por seu esforço e trabalho ajuntara uma fortuna para a sua família, porquanto, posteriormente, chegou a ser um magistrado de classe e dignidade. Lutero foi prontamente iniciado nos estudos, e aos treze anos de idade foi enviado a uma escola de Magdeburgo, e dali a Eisenach, na Turíngia, onde permaneceu por quatro anos, onde demonstrou as primeiras indicações de sua futura eminência.

Em 1501, foi enviado à Universidade de Erfurt, onde passou pelos costumeiros cursos de lógica e filosofia. Aos vinte anos de idade, recebeu o título de licenciado, e passou logo a ensinar a física de Aristóteles, ética e outros assuntos ligados à filosofia. Posteriormente, por indicação de seus pais, dedicou-se à lei civil, a fim de trabalhar como advogado; porém, foi separado desta atividade devido ao incidente relatado a seguir.

Ao andar certo dia pelos campos, foi lançado ao solo por um raio, enquanto um amigo morreu ao seu lado. Este fato afetou-o de tal modo que, sem comunicar o seu propósito a algum de seus amigos, retirou-se do mundo e enclausurou-se junto à ordem dos eremitas de Santo Agostinho.

Dedicou-se ali à leitura das obras de Santo Agostinho e dos escolásticos; porém, ao vasculhar a biblioteca, encontrou, acidentalmente, uma cópia da Bíblia latina que jamais havia visto antes. Esta atraiu poderosamente a sua curiosidade; leu-a ansiosamente e sentiu-se atônito ao perceber que apenas uma pequena porção das Escrituras era ensinada ao povo.

Fez a sua profissão de fé no mosteiro de Erfurt, após ter sido noviço durante um ano; e tomou ordens sacerdotais, ao celebrar a sua primeira missa em 1507. Um ano mais tarde foi transferido do mosteiro de Erfurt à Universidade de Wittenberg, pois, após a fundação da Universidade, pensava-se que nada seria melhor para dar-lhe reputação e fama imediata do que a autoridade e a presença de um homem tão célebre, por seu grande temperamento e erudição, como era Martinho Lutero.

Em Erfurt havia um certo ancião no convento dos agostinianos, com quem Lutero, que pertencia à mesma ordem, como frade agostiniano, conversou sobre vários assuntos, especialmente a remissão dos pecados. Sobre este tema, este sábio padre foi franco com Lutero, ao dizer-lhe que o expresso mandamento de Deus é que cada homem creia particularmente que os seus pecados foram perdoados em Cristo; disse-lhe ainda que esta interpretação particular fora confirmada por São Bernardo: “Este é o testemunho que o Espírito Santo te dá em teu coração, quando diz: Os teus pecados te são perdoados. Porque este é o ensino do apóstolo, que o homem é livremente justificado pela fé”.

Estas palavras não serviram somente para fortalecer Lutero, mas também para ensinar-lhe o pleno sentido do ensino do apóstolo Paulo, que insiste tantas vezes na seguinte frase: “Somos justificados pela fé”. E, após ler as exposições de muitos sobre esta passagem, logo percebeu, tanto pelo discurso do ancião como pelo conselho que recebeu em seu espírito, o quão vãs eram as interpretações que antes havia lido nos trabalhos dos escolásticos. E assim, pouco a pouco, ao ler e comparar os ditos e os exemplos dos profetas e dos apóstolos, com uma contínua invocação a Deus, e com a excitação da fé pelo poder da oração, deu-se conta desta doutrina com a maior evidência.

Assim prosseguiu os seus estudos em Erfurt pelo período de quatro anos no mosteiro dos agostinianos.

Em 1512, sete mosteiros de sua ordem tiveram uma divergência com o seu vigário geral. Lutero foi escolhido para ir a Roma e defender a sua causa. Naquela cidade, observou o papa e a sua corte, e teve também a oportunidade de contemplar as maneiras do clero, cujos modos precipitados, superficiais e ímpios de celebrar a missa foram severamente por ele criticados. Assim que ajustou a disputa que havia motivado a sua viagem, voltou a Wittenberg e foi constituído doutor em teologia, às custas de Federico, da Saxônia, que freqüentemente lhe ouvia pregar, e que estava familiarizado com o seu mérito, e que lhe reverenciava muito.

Continuou na Universidade de Wittenberg de onde, como professor de teologia, dedicou-se à atividade de sua vocação. Neste ponto deu início à leitura extremamente intensa das conferências sobre os livros sagrados. Explicou a Epístola aos Romanos e os Salmos, que esclareceu e explicou de uma maneira tão completamente nova e diferente do que havia sido o estilo dos comentaristas anteriores, que “era como, após uma longa e escura noite, amanhecesse um novo dia, a juízo de todos os homens piedosos e prudentes”.

Lutero dirigia de modo cuidadoso a mente dos homens ao filho de Deus, do mesmo modo que João Batista anunciava o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; do mesmo modo Lutero, ao resplandecer na igreja como uma luz brilhante após uma longa e tenebrosa noite, mostrou de maneira clara que os pecados são livremente remidos pelo amor do filho de Deus, e que cada pessoa deveria fielmente abraçar a este generoso dom.

A sua vida estava de acordo com o que ele professava; e evidenciou-se de modo claro que as suas palavras não eram meramente a atividade de seus lábios, mas que procediam de seu próprio coração. Esta admiração por sua vida de santificação atraiu muito os corações de seus ouvintes.

A fim de preparar-se melhor para a tarefa que havia empreendido, aplicou-se atentamente ao estudo dos idiomas grego e hebraico; e a isto estava dedicado quando se publicaram as indulgências gerais em 1517.

Leão X, que sucedeu a Júlio II em março de 1513, teve o desígnio de reconstruir a magnífica Catedral de São Pedro em Roma, cujas obras haviam sido iniciadas por Júlio, mas que ainda precisava de muito dinheiro para ser concluída. Por esta razão, Leão X, em 1517, aprovou a concessão de indulgências gerais a toda Europa, em favor de todos os que contribuíssem com qualquer soma de dinheiro para a reedificação da catedral; e designou pessoas em diferentes países para proclamarem estas indulgências e receberem o dinheiro das mesmas. Estes estranhos procedimentos provocaram muito escândalo em Wittenberg e, de modo particular, inflamaram o zelo de Lutero, o qual era por natureza ardente e ativo. Neste caso, por ser incapaz de conter-se, estava decidido a declarar-se contrário a tais indulgências em todas as circunstâncias.

Por esta razão, na véspera do dia de todos os santos, em 31 de outubro de 1517, fixou publicamente, na igreja adjacente ao castelo naquela cidade, as noventa e cinco teses contra as indulgências, onde desafiava a qualquer que se opusesse a elas, fosse por escrito ou por debate oral. As proposições de Lutero acerca das indulgências haviam sido publicadas há pouco, quando Tetzel, o frade dominicano comissionado para a sua venda, manteve e publicou suas teses em Frankfort, que continha um conjunto de proposições diretamente contrárias às de Lutero. Fez ainda mais: agitou o clero de sua ordem contra seu companheiro; considerou-o, do púlpito, um anátema e herege condenável, e queimou em público as suas teses em Frankfort. As teses de Tetzel também foram queimadas em Wittenberg, como reação, pelos luteranos. Porém o próprio Lutero negou ter parte nesta ação.

Em 1518, Lutero, ainda que dissuadido disto por seus amigos, porém, para mostrar obediência à autoridade, foi ao mosteiro de Santo Agostinho em Heidelberg, onde havia uma assembléia reunida; ali manteve, no dia 26 de abril, um debate sobre a “justificação pela fé”, que Bucero, o qual na ocasião estava presente, tomou por escrito, e comunicou-a posteriormente a Beatus Rhenanus, sem poupar as maiores críticas.

Enquanto isto, o zelo de seus adversários cresceu mais e mais contra ele; finalmente, foi considerado, diante de Leão X, um herege. Então, logo que regressou de Heidelberg, aquele papa lhe escreveu uma missiva nos termos mais submissos; Lutero enviou-lhe, ao mesmo tempo, uma explicação de suas proposições sobre as indulgências. Esta carta tinha a data do domingo da Trindade do ano de 1518, e foi acompanhada de um protesto no qual se declarava que ele não pretendia propor e nem defender algo em contrário às Sagradas Escrituras e nem à doutrina dos padres, recebida e observada pela Igreja de Roma, nem aos cânones nem aos decretos papais; contudo, pensava que possuía a liberdade suficiente para aprovar ou reprovar as opiniões de São Tomás, Boaventura e outros escolásticos e canonistas que não se baseavam em texto algum.

O imperador Maximiliano estava igualmente solícito de que o papa detivesse a propagação das opiniões de Lutero na Saxônia, que eram perturbadoras, tanto para a igreja como para o império. Por esta razão, Maximiliano escreveu a Leão X uma carta datada de 5 de agosto de 1518, a fim de pedir-lhe que proibisse, por sua autoridade, estas inúteis, desconsideradas e perigosas disputas; também lhe assegurava que cumpriria estritamente, em seu império, tudo o que sua santidade ordenasse.

Enquanto isto, Lutero, quando soube o que era levado a cabo em Roma, por sua causa, empregou todos os meios imagináveis para que não fosse levado para lá, e para fazer com que a sua causa fosse julgada na Alemanha. O governador também estava contrário a que Lutero fosse a Roma, e pediu ao cardeal Caetano que pudesse ser ouvido diante dele, como representante papal na Alemanha. Com isto, o papa consentiu que a sua causa fosse julgada diante do cardeal Caetano, a quem havia dado poderes para decidi-la.

Por esta razão, Lutero dirigiu-se imediatamente a Augsburgo, e levava consigo cartas do governador. Lá chegou em outubro de 1518 e, após haver-se-lhe dado segurança, foi admitido na presença do cardeal. Porém, Lutero logo percebeu que tinha mais a temer por parte do cardeal do que pelas discussões sobre quaisquer temas; por esta razão, ao temer ser preso caso não se submetesse, retirou-se de Augsburgo no dia 20 de outubro. Porém, antes de partir, publicou uma apelação formal ao papa e, ao ver-se protegido pelo governador, transmitiu suas pregações sobre as mesmas doutrinas em Wittenberg, e enviou um desafio a todos os inquisidores que comparecessem e discutissem com ele.

Quanto a Lutero, Miltitius, o camarista do papa, tinha ordem de exigir do governador que o obrigasse a se retratar, ou que lhe negasse a sua proteção; porém, as coisas não poderiam ser feitas com tanto orgulho, pois o crédito de Lutero estava demasiadamente bem estabelecido. Além disto, aconteceu que o imperador Maximiliano morreu no dia 12 daquele mês, o que alterou muito o aspecto das coisas, e fez com que o governador estivesse mais livre e capaz para decidir a sorte de Lutero. Por esta razão, Miltitius pensou que o melhor seria ver o que se poderia fazer por meios limpos e gentis, e com esta finalidade começou a conversar com Lutero.

Durante todos estes acontecimentos a doutrina de Lutero era cada vez mais divulgada e prevalecia sobremaneira; e ele mesmo recebeu ânimo dos alemães e dos outros povos.

Naquela ocasião os boêmios lhe enviaram um livro do célebre Juan Huss, que havia sido martirizado durante a obra da reforma, e também cartas nas quais o exortavam à constância e à perseverança e reconheciam que a teologia que ele ensinava era pura, sã e ortodoxa. Muitos homens eruditos e eminentes colocaram-se ao seu lado.

Em 1519, Lutero manteve um célebre debate em Leipzig com Juan Eccius. Porém, esta discussão terminou finalmente como todas as outras, e não teve o privilégio de ver as partes aproximar-se, de modo algum; mas que se sentiam ainda mais como inimigos pessoais, do que antes do debate.

Por volta do final do ano, Lutero publicou um livro no qual defendia que a comunhão fosse celebrada de ambos os modos; isto foi condenado pelo bispo de Misnia em 24 de janeiro de 1520.

Enquanto Lutero trabalhava para defender-se perante o novo imperador, e diante dos bispos da Alemanha, Eccius foi a Roma para pedir a sua condenação, o que, como se pode perceber, não seria agora tão difícil de conseguir. Certo é que as contínuas importunações dos adversários de Lutero perante Leão X levaram-no finalmente a publicar uma condenação contra ele, e o fez em uma bula datada de 15 de junho de 1520. Isto teve lugar na Alemanha, e foi ali publicada por Eccius, que a havia solicitado em Roma, e que estava encarregado da execução da mesma, juntamente com Jerónimo Alejandro, pessoa eminente por sua erudição e eloqüência. Enquanto isto, Carlos I da Espanha e Carlos V da Alemanha resolviam as suas dificuldades nos Países Baixos. Em seguida, Carlos V dirigiu-se à Alemanha, e foi coroado imperador no dia 21 de outubro de 1520, em Aquisgrán.

Martinho Lutero, após ter sido acusado pela primeira vez em Roma, através da censura papal, em uma quinta-feira santa, dirigiu-se pouco depois da páscoa a Worms, onde compareceu diante do imperador e dos governantes de todos os estados da Alemanha. Manteve-se constante na verdade, defendeu-se e respondeu a todas as perguntas de seus adversários.

Lutero permaneceu alojado, bem agasalhado, e visitado por muitos condes, barões, cavaleiros de ordem, homens gentis, sacerdotes e pelos membros do parlamento comum, que freqüentavam o seu alojamento durante a noite.

Veio de modo contrário às expectativas de muitos, tanto dos adversários como dos amigos. Os seus admiradores deliberaram juntos, e muitos trataram de persuadi-lo para que não se aventurasse ao perigo de ir a Roma, pois consideraram que tantas vezes não se havia respeitado a promessa de segurança para as pessoas nesta condição. Ele, após ter ouvido todas as suas persuasões e conselhos, respondeu-lhes do seguinte modo: “No que a mim me diz respeito, uma vez que me chamaram, resolvi e estou certamente decidido a ir a Worms, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo; sim, mesmo sabedor de que há ali tantos demônios para resistir-me, em número tão grande como o das telhas que cobrem as casas da cidade de Worms”.

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