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quinta-feira, 7 de abril de 2016

Experimento de grãos de poeira espacial produz em laboratório molécula ligada à origem da vida


POR SALVADOR NOGUEIRA



Um grupo de pesquisadores na França simulou em laboratório os pequenos cristais de gelo e poeira envolvidos no processo de formação de planetas. E qual não foi a surpresa deles ao descobrir que, expostos à radiação ultravioleta do Sol, esses pequenos fragmentos passam por reações químicas que produzem diversos componentes orgânicos — dentre eles, a principal peça da molécula que, apontam os cientistas, pode ter dado origem à vida.
Dando nome aos bois: a irradiação dos cristaizinhos contendo água (H2O), metanol (CH3OH) e amônia (NH3) com ultravioleta gerou um monte de compostos, dentre eles a cobiçada ribose. Ela é a peça central da molécula conhecida pela sigla RNA — o “primo pobre” do muito mais famoso DNA que pode ser muito bem ter sido o marco zero da evolução biológica.
O resultado, obtido pelo grupo de Cornelia Meinert, da Universidade de Nice, e que acaba de serpublicado no periódico científico americano “Science”, é surpreendente, pois a síntese de ribose a partir de uma química prebiótica (ou seja, que envolve compostos simples, existentes na natureza sem a presença de vida) tem se mostrado um osso duro de roer para os pesquisadores que tentam fazer isso (a ponto de alguns deles sugerirem que Marte seria um ambiente mais propício à sua síntese do que a Terra primitiva!). O novo experimento mostra que na verdade pode ser bem fácil gerar a tal molécula, se você partir da simulação de um ambiente espacial, em vez de tentar criar essas moléculas diretamente num oceano terrestre.
QUASE LÁ
É um passo muito importante, sem dúvida, mas ainda não encerra de vez a discussão, pois a ribose é só uma parte do RNA. Para fazer a molécula completa, ainda faltaria conectar a ela um grupo fosfato (que é, por si mesmo, relativamente simples, composto por um átomo de fósforo rodeado por quatro de oxigênio) e uma base nitrogenada. Experimento semelhante realizado no ano passado pelo pessoal do Centro Ames de Pesquisa, da Nasa, mostrou que um ambiente espacial também propicia a formação das bases nitrogenadas — cada base corresponde a uma letrinha química no código do RNA (e do DNA), as famosas C, G, A e U (ou T, para o DNA).

Ou seja, estamos muito perto de entender como uma molécula de RNA completa pode se formar de maneira completamente natural. Agora talvez seja bom lembrar por que diabos RNA é tão importante nessa história, se hoje, na bioquímica da vida, ele acabou sendo relegado ao papel de coadjuvante (ainda muito importante, verdade, mas parte do “elenco de apoio” mesmo assim).
Vamos lá: a vida como a conhecemos, das bactérias ao ser humano, têm duas bases moleculares essenciais: uma é a do DNA, que armazena as receitas para a fabricação de proteínas, e outra são as proteínas, que realizam basicamente todo o resto, da estrutura ao metabolismo, passando por dar uma mãozinha importante na replicação do DNA — mecanismo que permite a reprodução e a perpetuação da vida.
Certo, você deve ter notado que temos aí um dilema clássico de “ovo ou galinha”: se as proteínas dependem das receitas no DNA para serem criadas, como elas podem ter ajudado a replicação do DNA? Inversamente, se o DNA precisa de ajuda de proteínas para ser sintetizado, como ele pode ter surgido sem elas?
A resposta para tudo pode estar no RNA. Hoje, sua principal função é de “leva e traz” celular: ele pega a informação que está no DNA, copia e leva até os ribossomos, onde ela será “lida” e usada para formar proteínas. Mas, no passado, ele pode ter sido o protagonista. Isso porque ele não guarda informação genética tão bem quanto o DNA, mas ainda assim guarda (tanto que vários vírus não têm DNA, têm só RNA). E ele também não é tão bom em ações de metabolismo, mas quebra um galhão como dublê de proteína. Ou seja, num passado remoto, o RNA sozinho pode ter feito o papel que hoje cabe aos dois pilares especializados de moléculas biológicas. Tudo pode muito bem ter começado num “mundo de RNA”, sugerem os cientistas.
Sabemos que uma molécula de RNA com cerca de cem bases (letrinhas genéticas) já tem propriedades relativamente eficazes de promover sua auto-replicação, condição essencial para você considerá-la “viva” (há várias definições, mas a mais simples e funcional sugere que é vida tudo que se multiplica e transmite informação genética à geração seguinte num mecanismo de replicação passível de falhas, dando margem à evolução).
Ou seja, uma vez que você fabrica RNA num ambiente em que bases são combinadas aleatoriamente, ao acaso, cedo ou tarde você vai chegar numa combinação que realiza auto-replicação. A partir dessa etapa, a seleção natural entra em cena: as versões que se replicam melhor deixam mais descendentes e predominam sobre as que não se replicam. O processo entra numa esteira de rápido aperfeiçoamento, que eventualmente conduz ao surgimento do DNA e das proteínas como moléculas especializadas. Num “piscar de olhos” geológico, a vida unicelular aparece.
POR ETAPAS
Não dispomos de milhões de anos para realizar um experimento só que percorra essa rota de ponta a ponta, partindo dos grãos de poeira na formação do Sistema Solar até o primeiro ser vivo unicelular com DNA e proteínas. Mas os cientistas estão realizando demonstrações cada vez mais convincentes de cada uma das etapas. A formação da ribose, demonstrada agora, seguramente é uma das etapas iniciais, e mais desafiadoras, dessa longa jornada — isso se não for a primeirona. (Há hipóteses alternativas para a origem da vida que não começam no RNA, mas em moléculas alternativas, como TNA. Mas, curiosamente, o mesmo experimento francês também produziu precursores do TNA, o que mostra que a química prebiótica tinha um arsenal bem rico com que trabalhar, produzido a partir de reações simples e fáceis de reproduzir em laboratório.)
Uol

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